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segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Intimidação do Exército

RÉQUIEM PARA OS FUZIS DE CAÇAPAVA

Por Wagner Giron De La Torre
Deveras este país padece da ausência de memória, ainda que para aberrações recentes. Em meados do ano passado, o Presidente da mais alta Corte de Justiça do país, subvertendo os trâmites processuais e motivado tão-só por cenas perpassadas pela mídia televisiva, indignou-se com a prisão de um ex-prefeito da capital do Estado e com as algemas cingidas aos pulsos de um conhecido banqueiro recoberto por sérias denúncias de crimes fiscais e quejandos. Armou-se, então, com os princípios constitucionais garantidores dos direitos fundamentais do cidadão e lá do alto de sua magnificência ordenou a soltura imediata desses seletos membros da elite perversa, não sem antes censurar profusamente a atitude dos agentes federais que ousaram expor tão ilustres cidadãos à situação por ele reputada como vexaminosa.
Todavia, sobre fatos muito mais graves e agressivos aos Direitos Humanos, perpetrados ao longo da última semana no assentamento urbano nominado como Pinheirinho, em São José dos Campos, não nos chegou registro algum por parte da mídia a noticiar qualquer indignação de nossas excelsas autoridades nesse episódio grotesco, no qual se viu o exército brasileiro e grupos especiais da polícia civil paulista aterrorizarem, por dias a fio, os vulneráveis moradores desse assentamento urbano.
Parecia obra da mais hedionda ficção. Tropas do exército e grupos policiais aguçando o preconceito contra a população pobre, que sem alternativas de moradia, se radicou no referido assentamento, irrompendo, sem ordens judiciais, nos frágeis habitáculos onde milhares de cidadãos estabeleceram domicílios, atemorizando toda a população desarmada e desprotegida com sucessivos e rasantes vôos de helicópteros que, só com suas ventanias de descaso e prepotência, destelharam os precários casebres. Crianças amedrontadas que viam soldados de cenho sisudo vasculhando suas singelas mochilas escolares na absurda busca de meia dúzia de fuzis subtraídos, dias antes, num quartel do exército em Caçapava.
A partir dessa subtração – comenta-se - possibilitada pela omissão ou mesmo ação de pessoas atuantes na unidade que serviu de palco para o miliciano furto, a “inteligência” de nossas “forças de segurança” resolveu, assim mesmo, à sorrelfa, invadir, tal qual o virulento exército de Israel, a nova faixa de Gaza que se conflagrou sobre a perplexa e fragilizada população do Pinheirinho, numa ação lamentável que só serviu, ainda mais, para sedimentar o já espalhado semblante de demonização sobre os movimentos populares que lidam pelo fortalecimento da democracia e pelo respeito ao direito à moradia à população pobre.
Não houve registro algum, como dito, de qualquer repulsa por parte de autoridades públicas acerca desse lamentável episódio, que mais uma vez – desde Canudos – só acentua a indisfarçável conclusão que há uma clara incompatibilidade entre Direitos Humanos e intervenções urbanas por tropas do exército.
Para a oprimida população do Pinheirinho – e os pobres em geral - parece que os Direitos Fundamentais encravados na Constituição Federal não contam.

WAGNER GIRON DE LA TORRE, é Defensor Público do Estado de São Paulo.

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