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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Configuração Econômica Mundial e as perspectivas para o Brasil

por Roberto Rodrigues[2] - 19/08/2010

Como sabemos, um problema iniciado no mercado imobiliário estadunidense (sub prime), acabou se espalhando pelo sistema financeiro, tornando-se uma crise mundial de liquidez. O mundo experimentou, especialmente no último trimestre de 2008, uma das piores crises econômicas da história recente, por vezes comparada à grande depressão estourada em 1929. Enfim, por vezes ouvimos que a crise já teria acabado, o que não se sustenta, a considerar os fatos ocorridos na Europa recentemente. Eventos isolados – eventualmente não relacionados – podem gerar efeitos sistêmicos no mercado financeiro global, graças à desregulamentação, o que sustenta a hipótese de que ainda há ameaças no ar, aliás, sempre há.

Assim, de modo conciso e numa perspectiva fundamentalista, tentaremos identificar os aspectos crucias, os problemas econômicos enfrentados na atualidade por alguns países Europeus e os possíveis desdobramentos macroeconômicos para o Brasil.

Ao assumir uma política econômica para a recuperação do circuito de gastos e de crédito – seja injetando dinheiro nos bancos, seja adquirindo empresas insolventes – os Governos, especialmente os dos países desenvolvidos, nas ocasiões mais críticas da crise estourada em 2008, tiveram que aumentar consideravelmente suas dívidas numa tentativa de reverter as expectativas e não deixar que a crise se generalizasse.

Entende-se que, em especial os países desenvolvidos, estão com riscos fiscais, a considerar que: (i) tiveram de aumentar seu gasto para estimular a recuperação econômica, (ii) diminuir as taxas de juros no sentido de estimular o investimento produtivo, e (iii) dar incentivos tributários – como no caso do Brasil por exemplo a isenção do IPI – o que significa a diminuição da arrecadação do Governo com tributos.

Se não há crescimento econômico e nem mudança na qualidade do crédito dessas dívidas, aumenta a preocupação dos agentes com as dívidas soberanas, o que por sua vez leva aos Governos em tal risco, a elevar o prêmio (os juros) para que consigam continuar a captar recursos, elevando a taxa de juros de longo prazo, o que por sua vez inibe o investimento produtivo, dificultando o crescimento.

Neste cenário, os títulos soberanos (títulos públicos) perdem valor, os bancos, que são detentores de grande parte de tais títulos, terão de registrar prejuízos em seus balanços, estes bancos terão de regular melhor seu crédito, terão maiores dificuldades em se capitalizar, ou seja, entraríamos num novo momento de comprometimento do crédito bancário e de liquidez, ou como preferem chamar alguns economistas o double dip.

A Europa está experimentando um momento complicado, o Euro mostra seus problemas, e em momentos como este, revela ter difícil sustentabilidade, dado que é moeda única para um grupo de países com estruturas muito diferentes. Nos casos de Espanha, Grécia e Portugal, há que se recuperar a credibilidade dos respectivos Governos frente aos seus credores, o que revela a necessidade de grandes sacrifícios fiscais, o que ainda se torna pior considerando o grande peso relativo que tem o Estado na economia desses países

Há que se considerar que o estoque da dívida não é, certamente, devido somente aos episódios recentes, – que o digam os italianos – embora os eventos recentes o tenham feito aumentar. A questão fiscal nos países europeus tornou-se um problema porque a dívida pública, como no caso dos gregos, por exemplo, não é denominada em moeda nacional, mas numa “moeda supranacional”, sendo assim ela é menos “soberana” que a dívida brasileira, por exemplo.

A hipótese do remergulho (double dip) numa crise de liquidez internacional, parece ser a pior projeção possível, e assim, resta-nos tentar entender, ainda que de modo sucinto, de que maneira o Brasil poderia ser afetado neste novo cenário recessivo.

O Brasil seria prejudicado se este possível problema de liquidez for capaz de estrangular a demanda por bens e serviços brasileiros no exterior, ou seja, o Brasil passaria a exportar menos. Outro ponto a considerar é que o Brasil terá de realizar vultuosos investimentos nos próximos anos por ocasião das Olimpíadas e da Copa do Mundo, a considerar a necessidade de infra-estrutura que tais eventos demandam, e ainda teremos de investir pesado para explorar o petróleo na camada do pré-sal, veremos também investimentos grandes na instalação do Trem de Alta Velocidade (TAV) e na construção da hidrelétrica de Belo de Monte, enfim, o Brasil entrará numa nova etapa de expansão.

Temos ainda que considerar que nos países desenvolvidos temos agentes econômicos que, neste cenário, possivelmente procurarão ganhos nos mercados emergentes, Brasil, China e Índia. Assim, se os emergentes continuarem a sinalizar boas perspectivas de crescimento, pode haver um afluxo de capital para tais países, fomentando as projeções. Uma ressalva, os emergentes terão de cuidar para que o crescimento do mercado financeiro seja reflexo de um crescimento do lado real da economia, e não de um mero fluxo especulativo dos grandes agentes financeiros internacionais.

Parece-nos que o foco das preocupações deverá ser o problema do financiamento do desenvolvimento, especialmente no que se refere ao financiamento externo. Por conta da crise o descasamento de moedas pode comprometer a estabilidade macroeconômica. No Brasil, é o sistema público de financiamento o maior instrumento de desenvolvimento, o que torna o sistema de financiamento arriscado pela extrema concentração. O perfil do investimento no Brasil é muito líquido e o sistema financeiro nacional financia somente o curto prazo. Assim, é necessário que haja estabilidade macroeconômica, pois em condições instáveis dificilmente será possível incluir o sistema financeiro como financiador do longo prazo.

É fato que para o próximo ciclo de expansão se apresentam alguns pontos de risco, em especial a vulnerabilidade externa (descasamento de moedas), os problemas de liquidez internacional e uma possível interrupção do financiamento. Assim, há que se avaliar as fontes de financiamento: (i) poupança interna ou externa?; (ii) crédito bancário ou mercado de capitais:; (iii) bancos públicos ou bancos privados?

Há que se criar mecanismos de engenharia financeira que inclua o mercado de capitais no financiamento de longo prazo. No caso brasileiro o mercado de capitais atua no sentido de ampliar e concentrar a propriedade, e via de regra torna-se capital especulativo (“dinheiro quente”) e não financia investimento produtivo novo. Faz-se necessário criar um sistema privado de financiamento de longo prazo para auxiliar o atual sistema público de financiamento.

Uma queda na taxa de juros é condição necessária, mas não suficiente para viabilizar o desenvolvimento, aliás, uma taxa de juros elevada contribui para uma apreciação cambial além de abocanhar parte do orçamento, o que pode prejudicar o Brasil na próxima etapa de expansão. Uma hipótese possível, seria liberar o compulsório – dar o funding – aos bancos e cobrar em contrapartida que financiem investimentos.

Para que o Brasil consiga crescer na velocidade que precisa, terá de alongar seus prazos de financiamento e diminuir a curva de juros futuros. O Brasil terá de mostrar maturidade econômica e afirmar a solidez Governamental no sentido de ser possível emitir títulos públicos de maior prazo. Particularmente não vejo problemas com o déficit público, desde que, numa perspectiva keynesiana, seja um déficit fomentador da atividade econômica, e um déficit que seja plenamente financiável a longo prazo, estamos falando da tão conclamada “sustentabilidade fiscal”. Há também a questão da inflação, que é um tema muito caro ao Banco Central. Nessa questão, trata-se de “tentar medir” a velocidade do crescimento produtivo e do consumo agregado, e então lançar mão de medidas de política monetária no sentido de não permitir que os crescimentos andem separados, porém, não se pode planejar crescer elevando juros, é preciso fomentar o investimento produtivo, para que a produção cresça mais rapidamente que a demanda, sendo desnecessário assim inibir o consumo.

Por fim, vários desafios estão postos, mas é fato que o Brasil vive um momento diferente, estamos consideravelmente bem em comparação com os europeus e em comparação conosco mesmo, em tempos recentes, porém dada a base financeira “curtoprazista” o Brasil poderá enfrentar alguns problemas, daí a virtude de um modelo de desenvolvimento nacional focado no lado real da economia.
[1]Roberto Rodrigues é economista, especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas/SP (IE/UNICAMP), e está Presidente e Superintendente Financeiro do Fundo de Previdência e Benefícios dos Servidores Públicos do Município de Artur Nogueira/SP (FUNPREMAN).
[2] Agradecimentos aos comentários e contribuições do Professor Dr. Marcelo Carvalho.

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