Correio da Cidadania
Plínio...
presente!
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Escrito por Mauro Iasi
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Sexta, 11 de Julho de 2014
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Por um momento, o mundo congelou como em uma foto em branco e preto. Os rostos de seus companheiros de luta, inevitavelmente tristes, estavam calmos. Aquele que partia tinha uma estranha capacidade de aglutinar, virtude que se destaca em tempos de fragmentação e serialidade. Sua família, seus amigos, seus colegas de partido, seus companheiros de luta. Querido pelos seus, respeitado por seus adversários. São poucos aqueles que podemos descrever desta forma. Nas palavras de Valdemar Rossi, um de seus mais antigos amigos, Plínio era um semeador e talvez isso o descreva de forma mais cabal. Já em 1962, quando foi eleito deputado pelo PDC e participou da Comissão de Política Agrícola do Congresso, elaborando o plano de reforma Agrária que comporia as Reformas de Base do presidente Goulart. Quando trabalhou para a FAO em exílio no Chile depois de cassado, quando apresentou a ideia de núcleos de base ao recém-criado Partido dos Trabalhadores, ao qual viria a aderir e ajudar a construir, Plínio estava semeando. No entanto, o que semeava de melhor eram ideias. Militante cristão, partilhava seu pão e seu vinho, vivificando sonhos de emancipação e solidariedade. Cativava com sua forma simples, seu humor, sua convicção profunda, suas dúvidas criativas, sementes das respostas que abriam caminhos novos, novos frutos, novas sementes. Contava-nos uma história de quando estava em um avião com Lula e lhe disse que, talvez, o maior legado de uma campanha era plantar a ideia do socialismo. Como todo agricultor sabe, nem toda semente vinga. O que nos leva a outra característica de nosso companheiro: a persistência. São raros aqueles que persistem tanto e por tanto tempo. Plínio nasceu na elite, com família tradicional, nome grande, propriedade. Jovem talhado para a política tradicional das classes dominantes, advogado, subchefe da Casa Civil do governo de Carvalho Pinto em São Paulo no final dos anos 50, e deputado com a benção da Igreja Católica que, a esta época, queria salvar os pobres da ameaça comunista. Plínio era surpreendente, mas sua trajetória desenha uma clara e coerente linha de princípios que o acompanhou por toda a vida e se expressa ao final como um militante cristão e socialista. Uma coisa fica clara: enquanto a maioria tende a se acomodar e assumir posições mais moderadas, nosso amigo originalmente moderado ia cada vez mais para a esquerda. Uma vez, na campanha ao governo do estado de São Paulo, em 2006, quando o acompanhei como seu vice (e não era nada fácil acompanhar seu ritmo e vitalidade), Plínio nos convidou à sua casa para um jantar que receberia o então candidato humanista à presidência do Chile, Tomás Hirsch. Fui eu e o Didi, do PSTU, assim um pouco deslocados. Em determinado momento, nos chamam para nos acercarmos do chileno e Plínio lhe pergunta diretamente: “queria entender uma coisa desse humanismo que você propõe, como fica a questão da violência?”. Didi e eu nos entreolhamos como que dizendo “vai sobrar para nós”. Logo em seguida arremata: “porque sou cristão, comigo é na espada!”. São poucos nossos prazeres nesta vida, são raras as chances de vitória contra esta elite política asquerosa, poderosa e arrogante. Vendo as pessoas que acompanhavam Plínio em seu último adeus, principalmente as pessoas simples, trabalhadores, jovens e velhos, companheiros, camaradas, me veio uma súbita sensação de regozijo... Plínio nos escolheu, ele é nosso, dos fodidos, dos proletários, dos camponeses, dos pobres. Ele poderia ter escolhido ser um deles com tudo que isso lhe renderia de poder e prestígio, e decidiu ser mais um dos nossos. Comer nosso pão, beber de nosso sofrimento, nos abraçar em nossas derrotas, sorver o sal de nossas lágrimas. Plínio é nosso. Morram de inveja. Não é pouco. Pequenas são nossas diferenças e discordâncias colocadas diante desta perspectiva. O generoso coração de nossa classe lhe recebeu com um abraço fraterno e terá nosso reconhecimento eterno. Seu corpo agora foi semeado. O céu cinza chora calmo e nós seguimos por nossos diferentes caminhos. Atrás de uma árvore posso ouvir Brecht dizer, como disse uma vez sobre Rosa, em um sussurro: “aqui jaz Plínio... enterrai vossas desavenças!”. Vai aqui, deste amigo ateu, o poema que fiz para meus irmãos da Pastoral Operária metropolitana de São Paulo, não como uma forma de despedida, mas como um convite a todos que continuam esta caminhada. Companheiro Plínio de Arruda Sampaio... presente. Agora... e sempre!
Transcendências
Na massa universalda matéria de nossos corpos seja luz etérea de estrelas, carne mineral de planetas, ou fogo, ou água ou planta, ou bicho não vejo alma além daquela que no movimento se apresenta a vida. Aprendi que a religião é o sol em torno do qual gira o ser humano antes de ver em si mesmo o sol de sua existência. Ordem do tempo inimiga do novo dona da culpa ópio do povo organização racional da tristeza carrasco do meu desejo árbitro dos castigos aplicados por nós contra nós mesmos. Assim, feuerbachianamente, me tornei ateu. Mas, quando os vejo… com seu amor aos pobres, com seu compromisso com a vida na teia indissolúvel da solidariedade… Quando os vejo subindo as “sierras” de nossa América com seus terços e fuzis com sua fé e bravura… Quando os vejo na madrugadas fabris nas estradas acampados repartindo o pouco pão… Quando os vejo reinventando a comunhão renascendo a cada dia fazendo da morte ressurreição… Quando nos abraçamos sobre nossa bandeira vermelha chorando lágrimas de raiva, alegria ou emoção… Da inexistência de minha alma chego a desejar que esta vida se supere em outra para abraçar mais uma vez os nossos mortos. E no calor vivo de nossas batalhas onde construímos a cada dia a aurora contra a noite que persiste consigo ver, nitidamente, entre a sombra e o escuro, o rosto sereno de um deus que não existe. |